(...)
Fica comigo. Daqui a nada é noite e as noites custam, a mim
custam, sobretudo quando os candeeiros da rua se acendem e as árvores e os
prédios fronteiros logo diferentes, quase ninguém na rua, um miúdo com um cão
lá ao fundo, uma tristeza parada na tonalidade do silêncio, estes móveis e
estes retratos que não me ligam nenhuma, os teus passos na escada, tu no
passeio: nem vou à janela olhar, não quero olhar. Fica comigo só mais um
bocadinho, dez minutos, meia hora, sei lá, o tempo inteiro. Mesmo que não
fales. Mesmo que leias a revista do jornal. Mesmo que não me toques. Mesmo como
se eu não existisse. Há alturas, imagina, em que penso que não existo e depois
vem a aflição, o medo, o meu pulso tão rápido, a voz da minha mãe, do fundo da
infância.
(...)
antónio lobo antunes