sábado, 25 de abril de 2015

Teria gostado de te levar comigo outra vez























(...) A claridade estava a crescer
numa cama que já se tinha atravessado no escuro
como uma nave enfileirando para a guerra.

Eu não tinha ficado para conhecer a vista
das tuas janelas: imaginava um pátio riscado por ervas
mas não cheguei a levantar as persianas.
Talvez fosse um sítio ao qual não se pudesse regressar
porque quando falávamos os nossos olhos
não coincidiam com nenhuma palavra.

Teria gostado de te levar comigo outra vez
mas era difícil recuperar as razões
para o desejo. E no caso de nos ter acontecido
uma mudança, onde é que havíamos de procurar
os seus indícios? Estavas a dar de comer aos peixes
e eu só falava em livros.






Rui Pires Cabral




















sexta-feira, 10 de abril de 2015

Aquilo que sobrou de ti cabe-me nos bolsos




















Antes não nos pesava
o passado, colhíamos os dias
ainda verdes, a frescura da sua polpa
na vontade dos nossos dedos.
Depois vieram os sinais
dos primeiros cansaços sem remédio,
a noite fincou-se nas pedras,
fez-se de estorvos.
Aquilo que sobrou de ti
cabe-me nos bolsos
e é pouco para as minhas mãos.





Rui Pires Cabral


















sexta-feira, 3 de abril de 2015

Não vai doer

























Não vai doer. É bater de frente com a morte. Olhar a silhueta das asas de um anjo. Ácido na língua. Mãos apertadas nos joelhos à espera da solução para os vícios. Não dói nada. Sou uma fada de botas da tropa. É o meu delírio sempre a horas certas dentro de um aquário híbrido. Estranhar ser pessoa. Estranhar ter crescido. Ter de ser crescida. Sem pele. Coleccionadora de vestidos que não posso vestir. É incrível como a torre pode cair. Devia, antes de saber se caio, demolir um assunto grande. Só para assistir à cadência. Como com as estrelas, mas sem desejar. Não vai doer. É só uma luz muito aguda.








Patrícia Baltazar