terça-feira, 30 de agosto de 2011

Vais crescendo, meu filho























Vais crescendo, meu filho, com a difícil luz do mundo. Não foi um paraíso, que não é medida humana, o que para ti sonhei. Só quis que a terra fosse limpa, nela pudesses respirar desperto e aprender que todo homem, todo, tem direito a sê-lo inteiramente até ao fim. Terra de sol maduro, redonda terra de cavalos e maçãs, terra generosa, agora atormentada no próprio coração; terra onde teu pai e tua mãe amaram para que fosses o pulsar da vida, tornada inferno vivo onde nos vão encurralando o medo, a ambição, a estupidez, se não for demência apenas a razão; terra inocente, terra atraiçoada, em que nem sequer é já possível pousar num rio os olhos de alegria, e partilhar o pão, ou a palavra; terra onde o ódio a tanta e tão vil besta fardada é tudo o que nos resta; abutres e chacais que do saber fizeram comércio tão contrário à natureza que só crimes e crimes e crimes pariam.

Que faremos nós, filho, para que a vida seja mais que a cegueira e cobardia?





Eugénio de Andrade






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2 comentários:

  1. queríamos todos esse impossível: deixar aos filhos um outro mundo, uma outra vida, algo melhor.
    creio que nem sequer lhes vamos deixar o que herdámos, vamos deixá-los muito pior...
    há (como sempre) um poema que o diz melhor do que ninguém, do manuel antónio pina:

    Aos Filhos

    Já nada nos pertence,
    nem a nossa miséria.
    O que vos deixaremos
    a vós o roubaremos.

    Toda a vida estivemos
    sentados sobre a morte,
    sobre a nossa própria morte!
    Agora como morreremos?

    Estes são tempos de
    que não ficará memória,
    alguma glória teríamos
    fôssemos ao menos infames.

    Comprámos e não pagámos,
    faltámos a encontros:
    nem sequer quando errámos
    fizemos grande coisa!

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  2. ah... essa carapuça não enfio eu... vou pagando o que compro, e, errar, erro muito e em grande dimensão...

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