quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Entrego-te as palavras


















Entrego-te as palavras mais brandas
que entre os meus dedos construí
para alimentar de ti os recantos da casa
invadindo o coração da noite

Entrego-te as palavras com a redonda luz
das maçãs sobre a mesa e o rumor da água
rasgando o caminho da paixão
em horas que já não conseguimos sem ajuda
recordar
mas que habitam a mais frágil memória de nós próprios

Palavras jorrando dos meus olhos
invadindo-te o sono e tropeçando
nas esquinas das frases que decoro
ao longo dos veios da tua pele

E a verdade é que nunca terei outra história
para além da que nos aconteceu
e que ficamos à espera de um dia perceber melhor
porque nunca ninguém se prepara convenientemente
para a chegada do amor
e ele é sempre um convidado estranho
sentado em silêncio na penumbra da sala
olhando os quadros, o chão, o tecto

Como um velho parente da província
com medo de dizer o que não deve






Alice Vieira


















6 comentários:

  1. com medo de dizer o que não deve...diz ela... eu não acho, acho que fala demais, o convidado...
    tenha um bom dia josé luis

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  2. Gosto muito desta Alice, desta outra voz da autora. E obviamente também gosto do poema de hoje... :)

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  3. obrigada Graça, eu sei :)
    roubado à descarada...

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  4. Não foi roubado, de todo, foi "relido" por outros olhos e ganhou cores diferentes - e uma melodia que lhe assenta lindamente!

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  5. :) eu entendo Graça, que a poesia ganha outra dimensão se partilhada. Como no tempo, há muito tempo, em que em recantos de matosinhos, tascos, se juntavam pessoas ao fim da noite para recitar poesia, partilhar um fado. Agora é assim, mais solitário, mas na mesma partilhando.
    (não foi roubado, foi surripiado...obrigada!)

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