quarta-feira, 19 de maio de 2010

...tu dás-me o que sou























Por uma vez conta como o corpo se ajusta à superfície
das tuas palavras. Fala de um depois anterior, desse sono
demente na fissura da luz; do violento voo ou da ferida
cíclica, a ausência excedendo-se na pele quando a desoras
perfumas minhas mãos. Estende-se o calor aos lábios,
o Verão simula a duração no verso, circula a água, vigorosa,
no fundo do poço até desaparecer na cama muda.
Nada é o que parece, lembra-se o que se esquece e eu digo
os dedos descalços dissolvem em tua boca o mel à flor dos
destroços. Olha-me: deita o olhar em meu vestido, tira-o
num gesto ébrio e precipitado como a um prisioneiro,
os peixes sobem lestos no lago imoderado e a noite volta,
lenta, adormecida. Dou-te o que não tenho – a história
de um rio exultante a explodir na boca em versão romântica,
poema sem trágicos sulcos ou fala completa. E tu, tu dás-me
o que sou: metáfora doendo-se alto onde acaba o texto.






Ana Marques Gastão











6 comentários:

  1. Carrego os bolsos com poemas, mas o da camisa do lado esquerdo vai um pouco de ti :)
    Queres vir comigo para a Pásargada?

    Vasco (teu)

    "Vou-me embora pra Pasárgada
    Lá sou amigo do rei
    Lá tenho a mulher que eu quero
    Na cama que escolherei
    Vou-me embora pra Pasárgada


    Vou-me embora pra Pasárgada
    Aqui eu não sou feliz
    Lá a existência é uma aventura
    De tal modo inconseqüente
    Que Joana a Louca de Espanha
    Rainha e falsa demente
    Vem a ser contraparente
    Da nora que eu nunca tive


    E como farei ginástica
    Andarei de bicicleta
    Montarei em burro brabo
    Subirei no pau-de-sebo
    Tomarei banhos de mar!
    E quando estiver cansado
    Deito na beira do rio
    Mando chamar a mãe-d'água
    Pra me contar as histórias
    Que no tempo de eu menino
    Rosa vinha me contar
    Vou-me embora pra Pasárgada


    Em Pasárgada tem tudo
    É outra civilização
    Tem um processo seguro
    De impedir a concepção
    Tem telefone automático
    Tem alcalóide à vontade
    Tem prostitutas bonitas
    Para a gente namorar


    E quando eu estiver mais triste
    Mas triste de não ter jeito
    Quando de noite me der
    Vontade de me matar
    — Lá sou amigo do rei —
    Terei a mulher que eu quero
    Na cama que escolherei
    Vou-me embora pra Pasárgada."



    Manuel Bandeira

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  2. obrigada Beguinha, mas é com a ajuda do Vasco(teu) que me tem enviado tantos poemas.

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  3. Pasárgada era uma cidade da antiga Pérsia, porque não?:
    'se me der na telha sou capaz de enlouquecer, e mandar tudo para aquele lugar, e fugir com você para Pasárgada....'
    :)))

    [joking!!!]

    but

    never know.....

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  4. então vê lá se enlouqueces rápido, estou a precisar de ir para a pasargada, e acho que seria bom contigo... mesmo louca :)e a conduzires-me

    Vasco (teu)

    "Esta noite morri muitas vezes, à espera
    de um sonho que viesse de repente
    e às escuras dançasse com a minha alma
    enquanto fosses tu a conduzir
    o seu ritmo assombrado nas trevas do corpo,
    toda a espiral das horas que se erguessem
    no poço dos sentidos. Quem és tu,
    promessa imaginária que me ensina
    a decifrar as intenções do vento,
    a música da chuva nas janelas
    sob o frio de fevereiro? O amor
    ofereceu-me o teu rosto absoluto,
    projectou os teus olhos no meu céu
    e segreda-me agora uma palavra:
    o teu nome - essa última fala da última
    estrela quase a morrer
    pouco a pouco embebida no meu próprio sangue
    e o meu sangue à procura do teu coração."

    Fernando Pinto do Amaral

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  5. às vezes, basta um minuto, para enlouquecer, um minuto.

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