sábado, 9 de outubro de 2010

as palavras





















Sempre amei por palavras muito mais
do que devia

são um perigo
as palavras

quando as soltamos já não há
regresso possível
ninguém pode não dizer o que já disse
apenas esquecer e o esquecimento acredita
é a mais lenta das feridas mortais
espalha-se insidiosamente pelo nosso corpo
e vai cortando a pele como se um barco
nos atravessasse de madrugada

e de repente acordamos um dia
desprevenidos e completamente
indefesos

um perigo
as palavras

mesmo agora
aparentemente tão tranquilas
neste claro momento em que as deixo em desalinho
sacudindo o pó dos velhos dias
sobre a cama em que te espero





Alice Vieira













 

2 comentários:

  1. A poesia de Alice Vieira é singular. Nesse metapoema, pois temos a poesia expor seu objeto de composição primeiro: a PALAVRA. Os versos "sempre amei por palavras muito mais / do que devia // são um perigo / as palavras". Em geral, todos os poetas usam a palavra para compor o poema - há casos que outros signos entram em cena - mas a palavra lavra a folha ou o ecrã e se faz viva e inesquecível: "ninguém pode não dizer o que já disse". Adoro Alice.

    ResponderEliminar