quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Depois esvaziou-se com cuidado













Não dormia sem o escuro absoluto.
Doíam-lhe os olhos de ter visto cidades,
de ter esquecido gente, do frio
do vidro nas palavras. Demorava tanto
a entender o mundo que agora não dormia
de muita luz que as coisas tinham
antes sequer de serem suas. Trabalhava-se tanto
nesse lugar onde vivia com outros como ela
que às vezes pensava: tão estranho nascer
(quer dizer, nascer mesmo, estar aqui)
para o dia passado com estranhos.
E por isso, no princípio, não dormia
sem procurar o amor, sem beijar na testa
a noite que acabava serena e exausta como a noite.
No princípio era.
Depois esvaziou-se com cuidado.





Filipa Leal
















3 comentários:

  1. gosto tanto...

    depois esvaziou-se com cuidado. só que o vazio era impossível.

    (beijinho*)

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  2. Belíssimo poema. Ainda bem que o divulgou. Não conhecia Filipa Leal. Vou procurar.

    Bom Ano!

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  3. o vazio estava cheio de mais vazio e por sua vez esse de mais vazio, até não poder caber mais em si...
    (um pesadelo que eu tinha em criança, lembrei-me...)
    beijinho*

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