terça-feira, 11 de outubro de 2011

Guarda tu agora o que eu, subitamente, perdi













Guarda tu agora o que eu, subitamente, perdi
talvez para sempre ― a casa e o cheiro dos livros,
a suave respiração do tempo, palavras, a verdade,
camas desfeitas algures pela manhã,
o abrigo de um corpo agitado no seu sono. 

Guarda-o
serenamente e sem pressa, como eu nunca soube.


E protege-o de todos os invernos ― dos caminhos
de lama e das vozes mais frias. Afaga-lhe
as feridas devagar, com as mãos e os lábios,
para que jamais sangrem. E ouve, de noite,
a sua respiração cálida e ofegante
no compasso dos sonhos, que é onde esconde
os mais escondidos medos e anseios.


Não deixes nunca que se ouça sozinho no que diz
antes de adormecer. E depois aguarda que,
na escuridão do quarto, seja ele a abraçar-te,
ainda que não te tenha revelado uma só vez o que queria.


Acorda mais cedo e demora-te a olhá-lo à luz azul
que os dias trazem à casa quando são tranquilos.
E nada lhe peças de manhã ―  as manhãs pertencem-lhe;
deixa-o a regar os vasos na varanda e sai,
atravessa a rua enquanto ainda houver sol. 

E assim
haverá sempre sol e para sempre o terás,
como para sempre o terei perdido eu, subitamente,
por assim não ter feito.




Maria do Rosário Pedreira










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4 comentários:

  1. dorido e sofrido
    (mas 'haverá sempre sol')

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  2. As tuas postagens são simplesmente perfeitas...fazem-me sempre viajar ....dos meus blogs favoritos de momento..bj

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  3. haver, há, josé luís, nem sempre o sentimos.

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