quinta-feira, 15 de novembro de 2012

é noite e as noites custam, a mim custam
















(...)

Fica comigo. Daqui a nada é noite e as noites custam, a mim custam, sobretudo quando os candeeiros da rua se acendem e as árvores e os prédios fronteiros logo diferentes, quase ninguém na rua, um miúdo com um cão lá ao fundo, uma tristeza parada na tonalidade do silêncio, estes móveis e estes retratos que não me ligam nenhuma, os teus passos na escada, tu no passeio: nem vou à janela olhar, não quero olhar. Fica comigo só mais um bocadinho, dez minutos, meia hora, sei lá, o tempo inteiro. Mesmo que não fales. Mesmo que leias a revista do jornal. Mesmo que não me toques. Mesmo como se eu não existisse. Há alturas, imagina, em que penso que não existo e depois vem a aflição, o medo, o meu pulso tão rápido, a voz da minha mãe, do fundo da infância.

(...)







antónio lobo antunes













2 comentários:

  1. Sem comentários!

    (até fere...
    e a escolha da imagem é excelente)

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  2. Canção da torre mais elevada
    Desamparada juventude
    satisfazendo o prazer de todos,
    com tantas delicadezas
    é a própria vida o que perdes.
    Ah! quando chegará o tempo
    dos corações que se arrebatam.

    Já nos dissemos uns aos outros: afasta-te,
    e que ninguém mais te veja:
    deixa cair a promessa
    do tal futuro glorioso.
    Que nada te trave
    nessa grandiosa retirada.

    Tiveste já tanta paciência
    difícil será esquecer;
    tanto absurdo e sofrimento
    que aos céus é devolvido.
    E essa sede desgraçada
    obscurece-te as veias.

    Assim estes lugares
    deixados ao abandono,
    largos e florescentes
    de mirra e nardo
    entregues ao zumbido ensurdecedor
    de cem asquerosas moscas.

    Ah! essas mil viúvas
    que não têm quem as fôda,
    tudo o que têm é essa imagem
    da Nossa Senhora!
    Mas as suas preces serão mesmo
    dirigidas à Virgem Maria?

    Desamparada juventude
    satisfazendo o prazer de todos,
    com tantas delicadezas
    é a própria vida que se perde.
    Ah! venha por fim o tempo
    dos corações que se arrebatam.

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