(...)
Fica comigo. Daqui a nada é noite e as noites custam, a mim
custam, sobretudo quando os candeeiros da rua se acendem e as árvores e os
prédios fronteiros logo diferentes, quase ninguém na rua, um miúdo com um cão
lá ao fundo, uma tristeza parada na tonalidade do silêncio, estes móveis e
estes retratos que não me ligam nenhuma, os teus passos na escada, tu no
passeio: nem vou à janela olhar, não quero olhar. Fica comigo só mais um
bocadinho, dez minutos, meia hora, sei lá, o tempo inteiro. Mesmo que não
fales. Mesmo que leias a revista do jornal. Mesmo que não me toques. Mesmo como
se eu não existisse. Há alturas, imagina, em que penso que não existo e depois
vem a aflição, o medo, o meu pulso tão rápido, a voz da minha mãe, do fundo da
infância.
(...)
antónio lobo antunes
Sem comentários!
ResponderEliminar(até fere...
e a escolha da imagem é excelente)
Canção da torre mais elevada
ResponderEliminarDesamparada juventude
satisfazendo o prazer de todos,
com tantas delicadezas
é a própria vida o que perdes.
Ah! quando chegará o tempo
dos corações que se arrebatam.
Já nos dissemos uns aos outros: afasta-te,
e que ninguém mais te veja:
deixa cair a promessa
do tal futuro glorioso.
Que nada te trave
nessa grandiosa retirada.
Tiveste já tanta paciência
difícil será esquecer;
tanto absurdo e sofrimento
que aos céus é devolvido.
E essa sede desgraçada
obscurece-te as veias.
Assim estes lugares
deixados ao abandono,
largos e florescentes
de mirra e nardo
entregues ao zumbido ensurdecedor
de cem asquerosas moscas.
Ah! essas mil viúvas
que não têm quem as fôda,
tudo o que têm é essa imagem
da Nossa Senhora!
Mas as suas preces serão mesmo
dirigidas à Virgem Maria?
Desamparada juventude
satisfazendo o prazer de todos,
com tantas delicadezas
é a própria vida que se perde.
Ah! venha por fim o tempo
dos corações que se arrebatam.