domingo, 29 de novembro de 2020

faz-me só um favor

 










Chegámos tarde a nós.
Eu tinha a pele gasta, o coração no fio.
Tu eras um longo muro de cimento areado
em que deixava a carne inteira
a caminho do encontro.

A primavera ficava-nos sempre
à esquerda, e tu cada vez mais
dentro de mim até não sentir nada,
até estares já do outro lado.
Para trás, a cova matinal na almofada,
o postal entre a leitura suspensa,
o número a chamar de um fantasma.

Se apagar as marcas de onde pousaste
a cabeça sobre a minha vida,
se ganhar novo espaço para o fôlego,
faz-me só um favor:
nunca mais me reconheças.



inês dias









8 comentários:

  1. Sublime. Maravilhoso de ler. Tarde mas a tempo
    .
    Abraço

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  2. Olá Ana!

    Faz-nos um favor, aparece mais vezes. :)

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    Respostas
    1. obrigada, Luís :)
      nem sempre nas páginas que abro, encontro espelhos, e, isso é uma condição deste blog :)

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  3. Um belo poema que recupera marcas que se deseja

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  4. Espero que a noite de consoada tenha sido passada com saúde, amor, se possível com a família, e/ou amizades de coração, e que se prolongue por este dia de Natal.

    Cumprimentos poéticos.

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  5. ..um belo poema dolorido.. adequado para a época de fim de ano...Obrigado!!

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  6. «a primavera ficava-nos sempre à esquerda e tu cada vez mais dentro de mim até não sentir nada» - sublime.

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