quarta-feira, 19 de maio de 2010

em tua saudade ser a minha própria espera















Nosso amor é impuro
como impura é a luz e a água
e tudo quanto nasce
e vive além do tempo.

Minhas pernas são água,
as tuas são luz
e dão a volta ao universo
quando se enlaçam
até se tornarem deserto e escuro
E eu sofro de te abraçar
depois de te abraçar para não sofrer.

E toco-te
para deixares de ter corpo
e o meu corpo nasce
quando se extingue no teu.

E respiro em ti para me sufocar
e espreito em tua claridade
para me cegar,
meu Sol vertido em Lua,
minha noite alvorecida.

Tu me bebes
e eu me converto na tua sede.
Meus lábios mordem,
meus dentes beijam,
minha pele te veste
e ficas ainda despida.

Pudesse eu ser tu
e em tua saudade ser a minha própria espera.

Mas eu deito-me em teu leito
quando apenas queria dormir em ti.

E sonho-te
quando ansiava ser um sonho teu.

E levito, voo de semente,
para em mim mesmo te plantar
menos que flor: simples perfume,
lembrança de pétala sem chão onde tombar.

Teus olhos inundando os meus
e a minha vida, já sem leito,vai galgando margens
até tudo ser mar.
Esse mar que só há depois do mar.






Mia Couto
































1 comentário:

  1. "... lembra-te de mim..." será possivel esquecer-te? Ou ficarão sempre portas entreabertas?

    http://www.youtube.com/watch?v=y_aGk4JtR9o

    "Passemos, tu e eu, devagarinho,
    Sem ruído, sem quase movimento,
    Tão mansos que a poeira do caminho
    A pisemos sem dor e sem tormento.

    Que os nossos corações, num torvelinho
    De folhas arrastadas pelo vento,
    Saibam beber o precioso vinho,
    A rara embriaguez deste momento.

    E se a tarde vier, deixá-la vir...
    E se a noite quiser, pode cobrir
    Triunfalmente o céu de nuvens calmas...

    De costas para o Sol, então veremos
    Fundir-se as duas sombras que tivemos
    Numa só sombra, como as nossas almas."



    Reinaldo Ferreira

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