sexta-feira, 7 de maio de 2010

a grande dança dos erros


















Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que, por admiração, se estava de boca entreaberta: eles respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a própria água deles. Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para dar matéria peso à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles. Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e ao toque - a sede é a graça, mas as águas são uma beleza de escuras - e ao toque brilhava o brilho da água deles, a boca ficando um pouco mais seca de admiração. Como eles admiravam estarem juntos! Até que tudo se transformou em não. Tudo se transformou em não quando eles quiseram essa mesma alegria deles. Então a grande dança dos erros. O cerimonial das palavras desacertadas. Ele procurava e não via, ela não via que ele não vira, ela que, estava ali, no entanto. No entanto ele que estava ali. Tudo errou, e havia a grande poeira das ruas, e quanto mais erravam, mais com aspereza queriam, sem um sorriso. Tudo só porque tinham prestado atenção, só porque não estavam bastante distraídos. Só porque, de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham. Tudo porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser, eles que eram. Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios. Tudo, tudo por não estarem mais distraídos.








Clarice Lispector




















4 comentários:

  1. Abro-te as portas querendo
    a tua luz
    numa sede de ti que não se acalma
    Não me negues a água
    que mata a minha sede
    Desejo o teu incêndio
    queimando a minha alma


    Maria Teresa Horta

    ResponderEliminar
  2. Maria Teresa Horta é arrebatadora, violenta, animal, impulsiva, no que escreve

    ResponderEliminar
  3. Um dia empresto-te um ou mais, ou então leio para ti :) (ficou aqui entalado o leio-te a ti :) )

    Leio-te: — o pranto dos meus olhos rola:
    — Do seu cabelo o delicado cheiro,
    Da sua voz o timbre prazenteiro,
    Tudo do livro sinto que se evola ...

    Todo o nosso romance: - a doce esmola
    Do seu primeiro olhar, o seu primeiro
    Sorriso, - neste poema verdadeiro,
    Tudo ao meu triste olhar se desenrola.

    Sinto animar-se todo o meu passado:
    E quanto mais as páginas folheio,
    Mais vejo em tudo aquele vulto amado.

    Ouço junto de mim bater-lhe o seio,
    E cuido vê-Ia, plácida, a meu lado,
    Lendo comigo a página que leio.


    Olavo Bilac

    ResponderEliminar
  4. Se bem que o comentário anterior deveria ser naquele em que dizias que nunca tinhas lido Clarice... Sou um desastrado distraído :)

    ResponderEliminar