quinta-feira, 27 de maio de 2010

Não basta












Não basta estender as mãos vazias para o corpo mutilado,
acariciar-lhe os cabelos e dizer: Bom dia, meu Amor.
Parto amanhã.



Não basta depor nos lábios inventados a frescura de um beijo
doce e leve e dizer: Fecharam-nos as portas. Mas espera.



Não basta amar a superfície cómoda, ritual, exacta nos con-
tornos a que a mão se afeiçoa e dizer: A morte é o caminho.



Não basta olhar a Amante como um crime ou uma injúria
e apesar disso murmurar: Somos dois e exigimos.
Não basta encher de sonhos a mala de viagem, colocar-lhe as
etiquetas e afirmar: Procuro o esquecimento.



Não basta escutar, no silêncio da noite, a estranha voz dis-
tante, entre ruídos de música e interferências aladas.



Não basta ser feliz.



Não basta a Primavera.



Não basta a solidão.















Daniel Filipe











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