quarta-feira, 2 de maio de 2012

(o mais eram os gestos que não cabiam nas mãos)
















Pudesse eu morrer hoje como tu me morreste nessa noite – 
e deitar-me na terra; e não ouvir senão o rumor das ervas 
e o canto do vento nos ciprestes; e não ter medo das sombras, 
nem das aves negras nos meus braços de mármore, 
nem de te ter perdido – não ter medo de nada. Pudesse 

eu fechar os olhos neste instante e esquecer-me de tudo – 
das tuas mãos tão frias quando estendi as minhas nessa noite; 
de não teres dito a única palavra que me faria salvar-te, mesmo 
deixando que eu perguntasse tudo; de teres insultado a vida 
e chamado pela morte para me mostrares que o teu corpo 
já tinha desistido, que ias matar-te em mim e que era tarde 
para eu pensar em devolver-te os dias que roubara. Pudesse 

eu cair num sono gelado como o teu e deixar de sentir a dor, 
a dor incomparável de te ver acordado em tudo o que escrevi – 
porque foi pelo poema que me amaste, o poema foi sempre 
o que valeu a pena (o mais eram os gestos que não cabiam 
nas mãos); e pudesse eu deixar de escrever esta manhã

e pudesse eu morrer
mas ouço-te a respirar no meu poema. 






Maria Rosário Pedreira










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