Abro-te a porta do poema; e tu
espreitas para dentro da estrofe, onde
um espelho te espera.
Nuno Júdice
sexta-feira, 27 de março de 2015
E eu, eu todos os dias morro, ao fim da tarde.
É ao fim da tarde que morro. Agrada-me terminar negro contra o céu ensanguentado do ocaso. Ouvir a vida a estilhaçar-se no chão: tantos são os fragmentos que serei irreparável quando me encontrarem de cara mascarrada. Os olhos abertos na terra. Olhos inúteis, desde que roubaste as cores, quando te tornaste ausente. Porquê continuar a respirar quando me saqueias o azul? Eras tu que me pintavas, recordas-te? os sóis no olhar, em pinceladas de oiro líquido. De manhã, alongavas-te na tela da íris com mãos finas como filamentos rendilhando a luz. À noite oferendava-te as imagens da prata do rio, que amealhara para ti: assim as guardavas. Tudo distanciaste contigo, agora. E eu, eu todos os dias morro, ao fim da tarde.
Versões: Shinpei Kusano
-
*Conversa numa noite de Outono*
está frio, não está?
ah, está frio.
os insectos estão a chorar, não estão?
ah, os insectos estão a chorar.
daqui a na...
MEIAS PALAVRAS
-
*Não é a batota destas meias palavras*
*o santo-e-senha que darei à sentinela*
*no dia em que trôpego e com medo*
*de que me fechem a pota na cara,*
*f...
Tarrafal
-
Publico há muitos anos (uns quinze, creio) um autor de Cabo-Verde, Mário
Lúcio Sousa, que além de músico e escritor foi também ministro da Cultura
do seu...
Camilo Castelo Branco (O maior murro)
-
(O maior murro que ainda levaram queixos de homem)
Chegou a salvamento ao Rocio; aí, porém, o aguardava um desastre que seria
ignominioso, se a provid...
fears...
-
*Sometimes I tremble like a storm-swept flower, *
*And seek to hide my tortured soul from thee,*
*Bowing my head in deep humility*
*Before the silent thunder...
Alexander Averin Nicolajevich
-
* Alexander Nikolaevich Averin is a famous Russian painter. His themes
are scenes with young ladies against the background of flowering meadows
an...
«É mais fácil ser rapaz» (sempre foi...)
-
Ela não pensa mudar de sexo, mas basta-lhe olhar à sua volta para perceber
e dizer-me: «é mais fácil ser rapaz.»
Sorri-lhe. Não lhe disse mas pensei que...
Fundação Santander Portugal
-
No próximo dia 15 de abril, às 13:00, tem lugar no Auditório Santander mais
uma Beyond Profit Talk, sob o tema: "O que significa ter sucesso?".
Rui Miguel...
paul celan / flor
-
A pedra.
A pedra no ar, que segui.
O teu olhar, tão cego como a pedra.
Nós fomos
mãos,
esvaziámos a treva, encontrámos
a palavra, que subia do Verão:
f...
É BOA A GUERRA
-
Não chores, rapariga, é boa a guerra. Lá porque o teu rapaz ergueu as
mãos ao céu E a galope o cavalo se perdeu, Não chores, não. É boa a guerra.
Tambore...
Ouço no vento a tua voz...
-
Caminhei pela noite num silêncio profundo
Apenas entregue ao eco do meu pensamento
Pensando em ti a cada passo, a cada segundo
Sentindo os teus beijos n...
tipo, tipo, estás a ver?
-
Era uma vez, tipo, uma conversa, tipo, entre dois miúdos, tipo, no metro,
tipo, a falar, tipo, sobre tudo, tipo, e nada. Tipo, cada frase, tipo,
começava a...
Tempo
-
Há muito tempo que não acontecia. Aquela semana teve pelo menos 20 dias.
Depois disso, a mulher entra sorrateiramente na madrugada da segunda-feira,...
Gato Azul, de Hagiwara Sakutaro
-
Poema de Hagiwara Sakutaro (1846-1942), poeta japonês, da sua colectânea
com o mesmo nome Aoneko (Gato Azul) de 1923. GATO AZUL É bom amar esta bela
cidade...
-
Este ano o verão atravessou Lisboa. O verão foi invisível. Atravessou a
cidade e os outros levou do meu corpo memórias do teu nome. joão miguel
fernandes j...
PELE DE PAREDE
-
Os azulejos de Gilberto Renda são pele de parede,
Os painéis de madeira, nas salas da preciosa Vila Idalina,
Os antigos papeis de parede da Casa Vermelha,
Os...
Tragédia no Mar
-
"Tragédia no Mar" é a denominação do feliz grupo escultórico de José João
Brito, visto aqui na tarde de hoje. Inspirado numa tela de Augusto Gomes, o
monum...
No meio do ruído das coisas.
-
Duas despedidas tristes: a de Paulo Tunhas (1960), filósofo, cronista,
poeta, professor; e a de Luís Carmelo (1954), romancista, professor, poeta,
ensaís...
CARLOS POÇAS FALCÃO
-
[TODOS OS DIAS VIAJO PARA A CULPA]
Todos os dias viajo para a culpa.
É lá onde trabalho, movendo e removendo
juízos e vergonhas, vergando-me nas margens
do...
ninguém conhece o infinito
-
A culpa é tua se dizes sempre
o mesmo nome
se tens sempre a mesma idade
e a mesma casa, se quando
revelas a tua identidade
é impossível que o céu te explud...
FATIADA
-
Era o céu inteirinho que chovia, como se fosse castigo, alagando tudo em
redor.
Como se o mundo se aglomerasse para chorar, acotovelando-se na visão
catas...
POEMAS DE MARGARET RANDALL
-
Foto de Robert Giard, 1998.
*Sospecha y parábolas vacías*
Viajamos a alguna parte
pero no tenemos mapa.
Las líneas de mi palma relucen
como corriente el...
Que seja eterno
-
Mas de nenhum destes modos te sei amar, tão fraco ou inábil é o meu
coração, de modo que, por o meu amor não ser perfeito, tenho de me
contentar que seja e...
Uma Alma Inquieta
-
Eu sabia há três anos que Ela me viria bater à porta a qualquer momento,
mas não sabia como seria informado da sua chegada.
Desde Maio que peço, quase dia...
sem que ele note
-
tão longe vai o tempo em que ele morria em mim. acontecia aos poucos, a
imagem dele a querer fugir do meu peito, ele a ausentar-se lentamente dos
meus ...
Tempo
-
Eu não amava que botassem data na minha existência. A gente usava mais era
encher o tempo. Nossa data maior era o quando. O quando mandava em nós. A
gente ...
É isto o Amor
-
Em quem pensar, agora, senão em ti? Tu, que
me esvaziaste de coisas incertas, e trouxeste a
manhã da minha noite. É verdade que te podia
dizer: «Como é ma...
Pó dos Livros
-
Setembro de 2007, abrimos as portas, e já nessa altura planava sobre nós o
abutre. Nunca passava para cá da linha da porta. No entanto, rondava de
perto...
Burrinho
-
Fui à procura de um caderno para escrever. Volto a ter vontade de
escrever. Não quero, não sou capaz, de escrever frases, textos, quero
apenas apontar as ...
o escritor enquanto cão-guia
-
Grassa, em lusas terras, já há algum tempo, o paradigma do escritor como
«cão-guia». O leitor ou leitora, pitosga ou mesmo ceguinho deverá ser
levado pela ...
tomorrow never comes (III)
-
Tentava escrever
o esboço - vestígio do corpo,
a macia semente do vento
a traço de giz
da cor do barro, da cor da nuvem carvão;
acontecia o espinho, o p...
-
Um corpo sem véu, despojado do barulho do mundo. Apenas o grão da pele para
o vestir. Um corpo nu, imóvel e cheio de estorias caóticas e cicatrizes.
Um co...
Saídas a dois
-
Estava tudo combinado para aquele final de tarde: saía do trabalho direta à
escola, entravamos juntos no carro, sorridentes e enamorados, e seguíamos
para...
-
demasiado depressa o silêncio
de braços inertes
não consigo alcançar-te
ou olhar-te sequer
nem colher a tempo tudo o que devia
(tudo o que julgo que de...
Carta a Paris 16 de Março de 2015
-
16 de Março 2015
10:07
Está frio. O céu, imenso e de um cinza quase branco, leva-me os sentidos e
a minha vontade. Ainda assim decidi ir a Paris, onde te...
1930-2015
-
não chamem logo as funerárias,
cortem-me as veias dos pulsos pra que me saibam bem morto,
medo? só que o sangue vibre ainda na garganta
e qualquer mão e ...
SANTO ANTONINHO DOS ESQUECIDOS
-
* para o José Carlos Soares*
O esquecimento tem portões
fechados e velas a acordar
o crepúsculo enquanto o vento
sop...
-
Vestiu-se de nevoeiro e foi dançar
pés de musgo
mão na anca e outra estendida no ar
gotas de chuva mansa no olhar
um peso leve
acariciando a terra húmida
em...
Espaço : se alguém disser que morri...
-
Robert & Shana Parkeharrison
*se alguém disser que morri, avança até à varanda do céu,*
*escuta a noite e recolhe o meu corpo da espuma dos planetas.*
*nã...
Muito obrigado pela menção.
ResponderEliminarUma Páscoa feliz.
Uma feliz Páscoa para si também. Continue a morrer ao fim de cada tarde e a renascer a cada manhã. ;)
Eliminar