domingo, 9 de maio de 2010

Lembro-me agora















































Lembro-me agora que tenho de marcar um
encontro contigo, num sítio em que ambos
nos possamos falar, de facto, sem que nenhuma
das ocorrências de vida venha
interferir no que temos para nos dizer. Muitas
vezes me lembrei de que esse sítio podia
ser, um lugar sem nada de especial,
como um canto de café, em frente de um espelho
que poderia servir de pretexto
para reflectir a alma, a impressão da tarde,
o último estertor do dia antes de nos despedirmos,
quando é preciso encontrar uma fórmula que
disfarce o que, afinal, não conseguimos dizer. É
que o amor nem sempre é uma palavra de uso,
aquela que permite a passagem à comunicação
mais exacta de dois seres, a não ser que nos fale,
de súbito, o sentido da despedida, e que cada um de nós
leve, consigo, o outro, deixando atrás de si o próprio
ser, como se uma troca de almas fosse possível
neste mundo. Então, é natural que voltes atrás e
me peças: «Vem comigo!», e devo dizer-te que muitas
vezes pensei em fazer isso mesmo, mas era tarde,
isto é, a porta tinha-se fechado até outro
dia, que é aquele que acaba por nunca chegar, e então
as palavras caem no vazio, como nunca tivessem
sido pensadas. No entanto, ao escrever-te para marcar
um encontro contigo, sei que é irremediável o que temos
para dizer um ao outro: a confissão mais exacta, que
é também a mais absurda, de um sentimento; e, por
trás disso, a certeza de que o mundo há-de ser outro no dia
seguinte, como se o amor, de facto, pudesse mudar as cores
do céu, do mar, da terra, e do próprio dia em que nos vamos
encontrar, que há-de ser um dia azul, de verão, em que
o vento poderá soprar do norte, como se fosse daí
que viessem, nesta altura, as coisas mais precisas,
que são as nossas: o verde das folhas e o amarelo
das pétalas, o vermelho do sol e o branco dos muros.













Nuno Júdice






























2 comentários:

  1. Eu não sou o Vasco mas gosto de aparecer nas tempestades... e estar, se for necessário.

    És tu a senhora das tempestades?

    "Senhora das tempestades e dos mistérios originais
    quando tu chegas a terra treme do lado esquerdo
    trazes o terramoto a assombração as conjunções fatais
    e as vozes negras da noite Senhora do meu espanto e do meu medo.

    Senhora das marés vivas e das praias batidas pelo vento
    há uma lua do avesso quando chegas
    crepúsculos carregados de presságios e o lamento
    dos que morrem nos naufrágios Senhora das vozes negras.

    Senhora do vento norte com teu manto de sal e espuma
    nasce uma estrela cadente de chegares
    e há um poema escrito em página nenhuma
    quando caminhas sobre as águas Senhora dos sete mares.

    Conjugação de fogo e luz e no entanto eclipse
    trazes a linha magnética da minha vida Senhora da minha morte
    teu nome escreve-se na areia e é uma palavra que só Deus disse
    quando tu chegas começa a música Senhora do vento norte.

    Escreverei para ti o poema mais triste
    Senhora dos cabelos de alga onde se escondem as divindades
    quando me tocas há um país que não existe
    e um anjo poisa-me nos ombros Senhora das Tempestades.

    Senhora do sol do sul com que me cegas
    a terra toda treme nos meus músculos
    consonância dissonância Senhoras das vozes negras
    coroada de todos os crepúsculos.

    Senhora da vida que passa e do sentido trágico
    do rio das vogais Senhora da litúrgia
    sibilação das consoantes com seu absurdo mágico
    de que não fica senão a breve música.

    Senhora do poema e da oculta fórmula da escrita
    alquimia de sons Senhora do vento norte
    que trazes a palavra nunca dita
    Senhora da minha vida Senhora da minha morte.

    Senhora dos pés de cabra e dos parágrafos proibidos
    que te disfarças de metáfora e de soprar marítimo
    Senhora que me dóis em todos os sentidos
    como um ritmo só ritmo como um ritmo.

    Batem as sílabas da noite na oclusão das coronárias
    Senhora da circulação que mata e ressuscita
    trazes o mar a chuva as procelárias
    batem as sílabas da noite e és tu a voz que dita.

    Batem os sons os signos os sinais
    trazes a festa e a despedida Senhora dos instantes
    fica o sentido trágico do rio das vogais
    o mágico passar das consoantes.

    Senhora nua deitada sobre o branco
    com tua rosa-dos-ventos e teu cruzeiro do sul
    nascem faunos com tridentes no teu flanco
    Senhora de branco deitada no azul.

    Senhora das águas transbordantes no cais de súbito vazio
    Senhora dos navegantes com teu astrolábio e tua errância
    teu rosto de sereia à proa de um navio
    tudo em ti é partida tudo em ti é distância.

    Senhora da hora solitária do entardecer
    ninguém sabe se chegas como graça ou como estigma
    onde tu moras começa o acontecer
    tudo em ti é surpresa Senhora do grande enigma.

    Tudo em ti é perder Senhora quantas vezes
    Setembro te levou para as metrópoles excessivas
    batem as sílabas do tempo no rolar dos meses
    tudo em ti é retorno Senhora das marés vivas.

    Senhora do vento com teu cavalo cor de acaso
    tua ternura e teu chicote sobre a tristeza e a agonia
    galopas no meu sangue com teu cateter chamado Pégaso
    e vais de vaso em vaso Senhora da arritmia.

    Tudo em ti é magia e tensão extrema
    Senhora dos teoremas e dos relâmpagos marinhos
    batem as sílabas da noite no coração do poema
    Senhora das tempestades e dos líquidos caminhos.

    Tudo em ti é milagre Senhora da energia
    quando tu chegas a terra treme e dançam as divindades
    batem as sílabas da noite e tudo é uma alquimia
    ao som do nome que só Deus sabe Senhora das tempestades."

    Manuel Alegre

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  2. eu sei que não és o vasco, mas eu baralho nomes, troco de passeio porque confundo pessoas, não distingo rissois de croquetes, e não consigo fixar a data de nascimento dos meus filhos,tenho que fazer contas para saber quantos anos tenh, sei lá.
    desculpa victor

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