sexta-feira, 18 de março de 2011

nós estamos aqui para chegar de vez



























a minha alegria é o aroma de tangerina nos dedos,
comer aos gomos a paisagem
e limpar depois
a boca
à manga do espanto.
Tu puxas-me
e somos duas crianças
num trilho de mata
num banco de pedra,
num portão verde dividindo
o aqui e o ali.
Porque nós estamos aqui.
Aqui onde te entrego os meus bolsos,
e - repara - as tuas mãos cabem.

Nós estamos aqui.

Menina do rio na tua canoa de silêncios, a tua voz enrola-se na minha voz como prédios
e sombra numa cidade, como leite e açúcar na infância, como
o destino de um navio.
Atravesso quilometricamente a pobreza deste reino para te ver, para te ver uma bússola de neve,
uma corda vermelha, a destreza de um telhado através dos
dias.
Tu não precisas falar uma outra língua, o persa é uma língua que nos chega! Tu não precisas oferecer-me
portas e milhares de portas, basta que apareças.
Que apareças nesta fogueira de bruxas, na inquisição canina de uma época longe, muito longe,
dolorosamente longe da magia de um homem e de uma mulher.

Nós estamos aqui para arder pelo nosso corpo completo.
Tu e eu, leões estirados ao sol,
harpa para os nossos dedos quentes,
poema numa sala de lâminas.

Nós estamos aqui para fugir, nós estamos aqui para chegar
de vez.






Vasco Gato






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