terça-feira, 21 de abril de 2020

quando toda a estética se conjuga
















não queria entrar por aí, mas
se insiste, eu vou contar:
apareceu-me numa sexta-feira
à noite, vestia sobretudo inglês
cheirava a colónia cara
e explicava em detalhe
o processo de mistura do café
arábica, apesar
das trinta pedras fumadas.
não vou mentir, beijou-me
com facilidade
depois de dizer sem vergonha
como me comeria a
rata; não querendo entrar
em detalhes, claro, mas
sabe, é nestas alturas
que se entende a falta que
fazem homens de gosto requintado:
roupa sóbria, bom café,
rough sex. já acampados na sala,
creio que uma casa do século
dezanove, falou-me ao ouvido num
sotaque mexicano, lembrava-lhe um
qualquer amor antigo, eu sei lá
- as minhas pernas abriram-se,
não planeei,
mas é involuntário querer foder
assim quando toda a estética
se conjuga, e quer dizer,
uma boca capaz de se
fazer assim entender,
as pupilas largas negras
fundas o descuido
apressado de um gelado
que se derrete entre
os dedos, lamber com desplante
o que sobrou
para que nada se desperdice
- é que sabe,
para além de um bom
café ao pequeno-almoço,
ainda são as boas maneiras
a salvar o mundo.



Francisca Camelo in Photoautomat
















3 comentários:

  1. Esta é a poética mais difícil de se conseguir... fazer sentido sem travões...

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    1. é mesmo. ainda não percebi porque gosto deste poema. talvez seja isso mesmo :)

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  2. E quando as coisas aquecem, uma frase sobressai: " Sempre em frente, sempre em frente",

    Cumprimentos poéticos

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