terça-feira, 11 de maio de 2010

brincas




























 Brincas todos os dias com a luz do universo.
Subtil visitadora, chegas na flor e na água.
És mais do que a pequena cabeça branca que aperto
Como um cacho entre as mãos todos os dias.



Com ninguém te pareces desde que eu te amo.
Deixa-me estender-te entre grinaldas amarelas.
Quem escreve o teu nome com letras de fumo entre as estrelas
do sul?
Ah deixa-me lembrar como eras então, quando ainda existias.



Subitamente o vento uiva e bate à janela fechada.
O céu é uma rede coalhada de peixes sombrios.
Aqui vêm soprar todos os ventos, todos.
Aqui despe-se a chuva.



Passam fugindo os pássaros.
O vento. O vento.
Eu só posso lutar contra a força dos homens.
O temporal amontoa folhas escuras
E solta todos os barcos que esta noite amarraram o céu.



Tu estás aqui. Ah tu não foges.
Tu responder-me-ás até ao último grito.
Enrola-te a meu lado como se tivesses medo.
Porém mais que uma vez correu uma sombra estranha pelos teus olhos.



Agora, agora também, pequena, trazes-me madressilva,
E tens até seios perfumados.
Enquanto o vento triste galopa matando borboletas
Eu amo-te, e a minha alegria morde a tua boca de ameixa.



O que te haverá doído acostumares-te a mim,
À minha alma selvagem e só, ao meu nome que todos escorraçam.
Vimos arder tantas vezes a estrela-d’alva beijando-nos os olhos
E sobre as nossas cabeças destorceram-se os crepúsculos em leques
Rodopiantes.



As minhas palavras choveram sobre ti acariciando-te.
Amei desde há que tempo o teu corpo de nácar moreno.
Creio-te mesmo dona do universo.
Vim trazer-te das montanhas flores alegres «copihues»,
Avelãs escuras, e cestos silvestres de beijos.



Quero fazer contigo
O que a primavera faz com as cerejeiras.












Pablo Neruda




[Brincas todos os dias]

















1 comentário:

  1. Há um do neruda que gosto imenso e que começa com uma frase lindíssima:
    Há em todo o teu corpo uma taça ou doçura a mim destinada

    "Há em todo o teu corpo
    uma taça ou doçura a mim destinada.

    Quando levanto a mão
    encontro em cada lugar uma pomba
    que andava à minha procura, como
    se te houvessem, meu amor, feito de argila
    para as minhas mãos de oleiro.

    Os teus joelhos, os teus seios,
    a tua cintura,
    faltam em mim como no côncavo
    duma terra sedenta
    a que retiraram
    uma forma,
    e, juntos,
    estamos completos como um só rio,
    como um só areal"



    Pablo Neruda

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