terça-feira, 1 de junho de 2010

...mas espera-me muito




























Espera-me e eu voltarei,
mas espera-me muito.
Espera-me quando cair a neve
e chegarem as chuvas tristes,
quando chegar o calor,
não deixes de esperar.
Espera-me, quando já
ninguém esperar e se tiver
esquecido já o ontem.
Espera-me mesmo que as cartas
não cheguem de longe.
Espera-me quando todos
estiverem já fartos de esperar.
Espera-me e eu voltarei,
não ames – peço-te –
quem repetir de memória
que é tempo já de olvidar;
mesmo que mãe e filho julguem
que eu não existo mais.
Deixa que os amigos, ao lume,
se cansem de esperar e bebam
vinho amargo em memória de mim.
Espera-me e não
te apresses a beber com eles.
Espera-me e eu voltarei,
para que a morte se encha de raiva.
O que nunca me esquecer
dirá talvez de mim: coitado, teve sorte.
Jamais compreenderão
aqueles que jamais esperaram.
Tu é que me salvaste do fogo.
De como sobrevivi
saberemos tu e eu,
porque simplesmente me esperaste,
como ninguém me esperou.









Konstantin Simonov





















2 comentários:

  1. "já não te aguardo,
    adio-me"

    valter hugo mãe


    "Hoje aviso-te
    que ficarei para sempre
    arquejando no teu corpo,
    na orla infinita da tua mão,
    no teu ombro, que é uma espada.
    Na tua língua, que é a minha.
    Só o teu coração saberá
    se é
    promessa ou ameaça,
    mas ficarei para sempre
    e basta.

    E entre os dois – estranhamente -
    termina o absurdo território do poder.
    Aproximas-te:
    água-deserto-mel,
    e estendo-me
    mel-deserto-água.
    Não sei onde começas,
    onde começo...
    como a dança do golfinho no oceano."


    Lourdes Espínola

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  2. todos os pássaros sossegaram
    as crianças desceram das árvores e guardaram os jogos
    nas algibeiras
    recolheram a casa vagarosamente

    - é noite

    - a cidade pendurou ao pescoço seus filamentos de néon
    ouvem-se motores
    vozes longínquas esparsas na neblina
    as nuvens ainda fiam a ténue luminosidade do crepús-
    culo

    (...)

    - corremos

    - em cada voz sussurrada acorda um objecto cortante
    uma faca de luz um fogo capaz de exterminar
    e no asfalto reabre-se uma ferida
    arrasta-se um sapato muito devagar

    - é noite dolorosamente noite
    nos ossos guardamos a essência do voo e na pele a soli-
    dão de muitos caminhos
    uma estrada mais nítida tatuou-se-nos na memória

    - incrustaram-se nas pálpebras da noite brancas imagens
    de insónia
    reparem
    nestas folhas de papel atiradas ao vento
    estes rostos carcomidos pela humidade do desejo
    estes túneis-labirintos de espelhos
    esta fuga sempre recomeçada pelos alicerces calcários da
    cidade

    Al Berto

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