Sempre amei por palavras muito mais
do que devia
são um perigo
as palavras
quando as soltamos já não há
regresso possível
ninguém pode não dizer o que já disse
apenas esquecer e o esquecimento acredita
é a mais lenta das feridas mortais
espalha-se insidiosamente pelo nosso corpo
e vai cortando a pele como se um barco
nos atravessasse de madrugada
e de repente acordamos um dia
desprevenidos e completamente
indefesos
um perigo
as palavras
mesmo agora
aparentemente tão tranquilas
neste claro momento em que as deixo em desalinho
sacudindo o pó dos velhos dias
sobre a cama em que te espero
Alice Vieira
A poesia de Alice Vieira é singular. Nesse metapoema, pois temos a poesia expor seu objeto de composição primeiro: a PALAVRA. Os versos "sempre amei por palavras muito mais / do que devia // são um perigo / as palavras". Em geral, todos os poetas usam a palavra para compor o poema - há casos que outros signos entram em cena - mas a palavra lavra a folha ou o ecrã e se faz viva e inesquecível: "ninguém pode não dizer o que já disse". Adoro Alice.
ResponderEliminarObrigada Eula.
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