Abro-te a porta do poema; e tu
espreitas para dentro da estrofe, onde
um espelho te espera.
Nuno Júdice
quarta-feira, 17 de abril de 2013
caminhei toda a noite para semear a tua recordação
Duas horas da manhã. Os ratos procuram nos caixotes os
restos do dia morto: a cidade pertence aos fantasmas, aos assassinos, aos
sonâmbulos. Onde estás tu, em que leito, em que sonho? Se te encontrasse, tu
passarias sem me ver pois não somos vistos pelos nossos sonhos. Não tenho fome:
esta noite não consigo digerir a minha vida. Estou cansada: caminhei toda a
noite para semear a tua recordação. Não tenho sono: nem sequer tenho apetite da
morte. Sentada num banco, embrutecida apesar de tudo pela aproximação da manhã,
deixo de me lembrar que te procuro esquecer. Fecho os olhos... os ladrões não
querem senão os nossos anéis, os amantes a carne, os pregadores as nossas
almas, os assassinos a vida. Podem tirar-me a minha: desafio-os a nada lhe
mudar. Inclino a cabeça para ouvir por cima de mim o remexer das folhas...
Estou num bosque, num campo... É a hora em que o Tempo se disfarça de varredor
e Deus talvez em trapeiro. Ele avarento, ele teimoso, ele que não consente que
se perca uma pérola nos montes de cascas de ostras às portas das tabernas. Pai
nosso que estais no céu... Verei alguma vez vir sentar-se a meu lado um velho
de sobretudo castanho, com os pés enlameados por ter tido, para me alcançar, de
atravessar sabe Deus que rio? Ele deixar-se-ia cair no banco, tendo na mão
fechada um presente muito precioso que seria o bastante para tudo mudar.
Abriria os dedos lentamente, um após outro, muito prudentemente, por que aquilo
foge... Que seguraria ele? Uma ave, um germe, uma faca, uma chave para abrir a
lata de conserva do coração?
António José Forte - Ainda não
-
*Ainda não*
*não há dinheiro para partir de vez*
*não há espaço de mais para ficar*
*ainda não se pode abrir uma veia*
*e morrer antes de alguém ch...
entardecer...
-
*Passemos, tu e eu, devagarinho, *
*Sem ruído, sem quase movimento, *
*Tão mansos que a poeira do caminho *
*A pisemos sem dor e sem tormento. *
*Que os nos...
Diálogo e Opinião: A Essência da Comunicação
-
*(Dedicado a políticos e comentadores)*
O diálogo é um dos pilares fundamentais da comunicação humana. Ele permite
a troca de ideias, o compartilhamento ...
O pastel
-
O pastel de Belém chega à mesa com a solenidade de um artefacto histórico,
envolto na aura que lhe confere a dignidade de algo que transcendeu a mera
condi...
inês lourenço / crónicas
-
Mulheres de canastra à cabeça, que num recôncavo
de esquina, não calcetada, onde uma nesga
de terra desmentia o urbanismo
invasor, mijavam de pé
co...
Camilo Castelo Branco (Aos pés da catedral)
-
(Aos pés da catedral)
Ao repontar a aurora do belo dia de Julho, o Douro que banha o Porto, desde
o cais da Corticeira até o de Massarelos, retratava ...
Quando o mundo tem a sua real dimensão
-
Estava ali, no meio de toda aquela gente, e acabei por pensar na
possibilidade remota de poder encontrar alguém conhecido, nem que fosse
apenas de vista...
Poesia para todos
-
Daqui por uma semana é Dia Mundial da Poesia (21 de Março, dia da Primavera
também), mas eu cá vou comemorá-lo no dia 22, sábado, que é quando terá
lugar...
Gato Azul, de Hagiwara Sakutaro
-
Poema de Hagiwara Sakutaro (1846-1942), poeta japonês, da sua colectânea
com o mesmo nome Aoneko (Gato Azul) de 1923. GATO AZUL É bom amar esta bela
cidade...
Sentimentos ocultos
-
Hoje apetece-me escrever palavras sentidas
Tirar de mim este frio que tanto me arrefece
Palavras de amor que curem abertas feridas
Mas não consigo, nem ...
-
As paisagens estão frias,
alguém impôs um limite à música,
respiração que nos iluminou noutros dias.
Houve ordens nesse sentido,
e é para o teu próprio bem...
-
Este ano o verão atravessou Lisboa. O verão foi invisível. Atravessou a
cidade e os outros levou do meu corpo memórias do teu nome. joão miguel
fernandes j...
PELE DE PAREDE
-
Os azulejos de Gilberto Renda são pele de parede,
Os painéis de madeira, nas salas da preciosa Vila Idalina,
Os antigos papeis de parede da Casa Vermelha,
Os...
Tragédia no Mar
-
"Tragédia no Mar" é a denominação do feliz grupo escultórico de José João
Brito, visto aqui na tarde de hoje. Inspirado numa tela de Augusto Gomes, o
monum...
No meio do ruído das coisas.
-
Duas despedidas tristes: a de Paulo Tunhas (1960), filósofo, cronista,
poeta, professor; e a de Luís Carmelo (1954), romancista, professor, poeta,
ensaís...
CARLOS POÇAS FALCÃO
-
[TODOS OS DIAS VIAJO PARA A CULPA]
Todos os dias viajo para a culpa.
É lá onde trabalho, movendo e removendo
juízos e vergonhas, vergando-me nas margens
do...
ninguém conhece o infinito
-
A culpa é tua se dizes sempre
o mesmo nome
se tens sempre a mesma idade
e a mesma casa, se quando
revelas a tua identidade
é impossível que o céu te explud...
FATIADA
-
Era o céu inteirinho que chovia, como se fosse castigo, alagando tudo em
redor.
Como se o mundo se aglomerasse para chorar, acotovelando-se na visão
catas...
POEMAS DE MARGARET RANDALL
-
Foto de Robert Giard, 1998.
*Sospecha y parábolas vacías*
Viajamos a alguna parte
pero no tenemos mapa.
Las líneas de mi palma relucen
como corriente el...
Que seja eterno
-
Mas de nenhum destes modos te sei amar, tão fraco ou inábil é o meu
coração, de modo que, por o meu amor não ser perfeito, tenho de me
contentar que seja e...
Uma Alma Inquieta
-
Eu sabia há três anos que Ela me viria bater à porta a qualquer momento,
mas não sabia como seria informado da sua chegada.
Desde Maio que peço, quase dia...
sem que ele note
-
tão longe vai o tempo em que ele morria em mim. acontecia aos poucos, a
imagem dele a querer fugir do meu peito, ele a ausentar-se lentamente dos
meus ...
Tempo
-
Eu não amava que botassem data na minha existência. A gente usava mais era
encher o tempo. Nossa data maior era o quando. O quando mandava em nós. A
gente ...
É isto o Amor
-
Em quem pensar, agora, senão em ti? Tu, que
me esvaziaste de coisas incertas, e trouxeste a
manhã da minha noite. É verdade que te podia
dizer: «Como é ma...
Pó dos Livros
-
Setembro de 2007, abrimos as portas, e já nessa altura planava sobre nós o
abutre. Nunca passava para cá da linha da porta. No entanto, rondava de
perto...
Burrinho
-
Fui à procura de um caderno para escrever. Volto a ter vontade de
escrever. Não quero, não sou capaz, de escrever frases, textos, quero
apenas apontar as ...
o escritor enquanto cão-guia
-
Grassa, em lusas terras, já há algum tempo, o paradigma do escritor como
«cão-guia». O leitor ou leitora, pitosga ou mesmo ceguinho deverá ser
levado pela ...
tomorrow never comes (III)
-
Tentava escrever
o esboço - vestígio do corpo,
a macia semente do vento
a traço de giz
da cor do barro, da cor da nuvem carvão;
acontecia o espinho, o p...
-
Um corpo sem véu, despojado do barulho do mundo. Apenas o grão da pele para
o vestir. Um corpo nu, imóvel e cheio de estorias caóticas e cicatrizes.
Um co...
Saídas a dois
-
Estava tudo combinado para aquele final de tarde: saía do trabalho direta à
escola, entravamos juntos no carro, sorridentes e enamorados, e seguíamos
para...
-
demasiado depressa o silêncio
de braços inertes
não consigo alcançar-te
ou olhar-te sequer
nem colher a tempo tudo o que devia
(tudo o que julgo que de...
Carta a Paris 16 de Março de 2015
-
16 de Março 2015
10:07
Está frio. O céu, imenso e de um cinza quase branco, leva-me os sentidos e
a minha vontade. Ainda assim decidi ir a Paris, onde te...
1930-2015
-
não chamem logo as funerárias,
cortem-me as veias dos pulsos pra que me saibam bem morto,
medo? só que o sangue vibre ainda na garganta
e qualquer mão e ...
SANTO ANTONINHO DOS ESQUECIDOS
-
* para o José Carlos Soares*
O esquecimento tem portões
fechados e velas a acordar
o crepúsculo enquanto o vento
sop...
-
Vestiu-se de nevoeiro e foi dançar
pés de musgo
mão na anca e outra estendida no ar
gotas de chuva mansa no olhar
um peso leve
acariciando a terra húmida
em...
Espaço : se alguém disser que morri...
-
Robert & Shana Parkeharrison
*se alguém disser que morri, avança até à varanda do céu,*
*escuta a noite e recolhe o meu corpo da espuma dos planetas.*
*nã...
sublime.
ResponderEliminarcomo a marguerite yourcenar, sublime
Eliminar