quinta-feira, 20 de maio de 2010

...esse medo infantil de ter pequenas coragens







































Resta, acima de tudo, essa capacidade de ternura
Essa intimidade perfeita com o silêncio
Resta essa voz íntima pedindo perdão por tudo
- Perdoai-os! porque eles não têm culpa de ter nascido...

Resta esse antigo respeito pela noite, esse falar baixo
Essa mão que tateia antes de ter, esse medo
De ferir tocando, essa forte mão de homem
Cheia de mansidão para com tudo quanto existe.

Resta essa imobilidade, essa economia de gestos
Essa inércia cada vez maior diante do Infinito
Essa gagueira infantil de quem quer exprimir o inexprimível
Essa irredutível recusa à poesia não vivida.

Resta essa comunhão com os sons, esse sentimento
Da matéria em repouso, essa angústia da simultaneidade
Do tempo, essa lenta decomposição poética
Em busca de uma só vida, uma só morte, um só Vinicius.

Resta esse coração queimando como um círio
Numa catedral em ruínas, essa tristeza
Diante do cotidiano; ou essa súbita alegria
Ao ouvir passos na noite que se perdem sem história.

Resta essa vontade de chorar diante da beleza
Essa cólera em face da injustiça e o mal-entendido
Essa imensa piedade de si mesmo, essa imensa
Piedade de si mesmo e de sua força inútil.

Resta esse sentimento de infância subitamente desentranhado
De pequenos absurdos, essa capacidade
De rir à toa, esse ridículo desejo de ser útil
E essa coragem para comprometer-se sem necessidade.

Resta essa distração, essa disponibilidade, essa vagueza
De quem sabe que tudo já foi como será no vir-a-ser
E ao mesmo tempo essa vontade de servir, essa
Contemporaneidade com o amanhã dos que não tiveram ontem nem hoje.

Resta essa faculdade incoercível de sonhar
De transfigurar a realidade, dentro dessa incapacidade
De aceitá-la tal como é, e essa visão
Ampla dos acontecimentos, e essa impressionante

E desnecessária presciência, e essa memória anterior
De mundos inexistentes, e esse heroísmo
Estático, e essa pequenina luz indecifrável
A que às vezes os poetas dão o nome de esperança.

Resta esse desejo de sentir-se igual a todos
De refletir-se em olhares sem curiosidade e sem memória
Resta essa pobreza intrínseca, essa vaidade
De não querer ser príncipe senão do seu reino.

Resta esse diálogo cotidiano com a morte, essa curiosidade
Pelo momento a vir, quando, apressada
Ela virá me entreabrir a porta como uma velha amante
Mas recuará em véus ao ver-me junto à bem-amada...

Resta esse constante esforço para caminhar dentro do labirinto
Esse eterno levantar-se depois de cada queda
Essa busca de equilíbrio no fio da navalha
Essa terrível coragem diante do grande medo, e esse medo
Infantil de ter pequenas coragens.






Vinicius de Moraes





























5 comentários:

  1. "Eu te peço perdão por te amar de repente
    Embora o meu amor
    seja uma velha canção nos teus ouvidos
    Das horas que passei à sombra dos teus gestos
    Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos
    Das noites que vivi acalentando
    Pela graça indizível
    dos teus passos eternamente fugindo
    Trago a doçura
    dos que aceitam melancolicamente.
    E posso te dizer
    que o grande afeto que te deixo
    Não traz o exaspero das lágrimas
    nem a fascinação das promessas
    Nem as misteriosas palavras
    dos véus da alma...
    É um sossego, uma unção,
    um transbordamento de carícias
    E só te pede que te repouses quieta,
    muito quieta
    E deixes que as mãos cálidas da noite
    encontrem sem fatalidade
    o olhar estático da aurora."


    Vinícius de Moraes

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Fico feliz por o sabe (muito feliz). É bom sentir-me a entrelaçar os teus dedos... com poemas

    Vasco (teu)

    “Um dia, quando a ternura for a única regra da manhã, acordarei entre os teus braços, a tua pele será talvez demasiado bela e a luz compreenderá a impossível compreensão do amor. Um dia, quando a chuva secar na memória, quando o Inverno for tão distante, quando o frio responder devagar com a voz arrastada de um velho, estarei contigo e cantarão pássaros no parapeito da nossa janela, sim, cantarão pássaros, haverá flores, mas nada disso será culpa minha, porque eu acordarei nos teus braços e não direi nem uma palavra, nem o princípio de uma palavra, para não estragar a perfeição da felicidade.”

    José Luis Peixoto

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  4. Vinícius, sempre, eterno Vinícius...




    @.
    Bom dia para uma segunda de boa semana.

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  5. eterno vinicius, boa segunda epee, contigo por aqui aí.

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