segunda-feira, 24 de maio de 2010

... o quarto ficou tão frio de repente. E tu sem vires






















Vem ver-me antes que morra de amor – o sangue
arrefece dentro do meu corpo e as rosas desbotam
nas minhas mãos. Da minha cama ouço a tempestade
nos continentes; e já quis partir, deixar que o vento
levasse a minha mala por aí; fiz planos de correr mundo
para te esquecer – mas nunca abria a porta.



Vem ver-me enquanto não morro, mas vem de noite –
a luz sublinha a agonia de um rosto e quero que me recordes
como eu podia ter sido. Da minha cama vejo o sol
tatuar as costas do meu país; e já sonhei que o perseguia,
que desenhava o teu nome no veludo da areia e sentia
a vida a pulsar nessa palavra como o músculo tenso
escondido sob a pele – mas depois acordava e não ia.



Vem ver-me antes que morra, mas vem depressa –
os livros resvalam-me do colo e o bolor avança
sobre a roupa. Da minha cama sinto o perfume das folhas
tombadas nos caminhos. O Outono chegou. E o quarto
ficou tão frio de repente. E tu sem vires. Agora
quero deitar-me no tapete de musgo do jardim e ouvir
bater o coração da terra no meu peito. Os vermes
alimentam-se dos sonhos de quem morre. E tu não vens.







Maria do Rosário Pedreira








2 comentários:

  1. "Caminhei sempre para ti sobre o mar encrespado
    na constelação onde os tremoceiros estendem
    rondas de aço e charcos
    no seu extremo azulado

    Ferrugens cintilam no mundo,
    atravessei a corrente
    unicamente às escuras
    construí minha casa na duração
    de obscuras línguas de fogo, de lianas, de líquenes

    A aurora para a qual todos se voltam
    leva meu barco da porta entreaberta

    o amor é uma noite a que se chega só"

    José Tolentino Mendonça

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  2. Quando se esgotaram os caminhos
    que a razão poderia aconselhar-nos
    abrem-se os teus olhos, e com eles tudo
    volta a inundar-se da luz obscura
    que dá sentido ao mundo e à minha vida


    Amalia Bautista

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